quarta-feira, 22 de maio de 2013

Contos dos Games #5: A Psicóloga e o Espartano – Parte 03 (Final)

A Psicóloga e o Espartano – Parte 03 (Final)

O espartano aguardava a assistente arrumar um horário para encaixá-lo. Estava visivelmente impaciente. Encarou a assistente com a cara mais fechada que pôde, e subitamente se levantou e foi em direção ao consultório.
— Senhor Kratos, por favor espere. A Dra. Pallas está...
Kratos chutou a porta do consultório, que se abriu num estrondo. A Dra. Pallas não demonstrou estar assustada, apenas olhou feio para a assistente, que agora se encontrava às costas do espartano. A coitada tentou se defender:
— Desculpe doutora. Não consegui impedi-lo.
A psicóloga fechou os olhos e suspirou. Kratos bradou:
— QUERO FALAR CONTIGO MULHER! ESTOU ENLOUQUECENDO!
Ela baixou a cabeça, e com o polegar e o indicador massageou o topo do nariz. Falou tentando controlar a irritação na voz:
— E por que o senhor não marcou uma consulta, como qualquer um?
— EU NÃO QUERIA ESPERAR. E ALÉM DO MAIS, EU SOU UM DEUS, NÃO SOU?
A doutora olhou para Kratos, e depois para o divã. Lá estava recostado um homem muito feio, com deformações no rosto, e que Kratos conhecia do Olimpo. Na verdade, era um dos únicos deuses do Olimpo que aparentemente aceitava Kratos como deus. O espartano gritou:
— HEFESTO! O QUE FAZ AQUI?

O deus do fogo se esquivou:
— Não te interessa Kratos. — se levantou irritado, mas em seguida abrandou a feição e disse a Kratos: — Não sei se já te agradecei, mas muito obrigado pelo que fez com Ares. Ele realmente merecia. — virou-se para a doutora e disse: — Estou indo. Mesmo horário a semana que vem?
— Sim Hefesto. — respondeu a psicóloga — Espero que não sejamos interrompidos da próxima vez. — e olhou irritada para Kratos — Mande um abraço para Afrodite.
Hefesto coçou a testa, e fechou a cara. Não respondeu nada para a Dra. Pallas.
Ao sair da sala, ouviu-se o deus do fogo resmungar:
— Vou é matar aquela traidora!
Dra. Pallas, Kratos e a assistente apenas se olharam, mas não comentaram nada.
O espartano deu uma olhadela de lado para a assistente, e ela por sua vez olhou para Dra. Pallas, que disse:
— Pode ir Minerva. Deixe-me com o novo deus da guerra.
Minerva obedeceu.

Antes que a psicóloga sugerisse que o espartano se acomodasse, ele se adiantou e se deitou no divã. Ela deu um longo suspiro, e se forçando a ser profissional, olhou para Kratos perguntando:
— O que traz o senhor aqui?
Ele olhou furioso para a doutora, que permaneceu impassível. E então, aos gritos ele disse:
— MEU IRMÃO MORREU! COMO SEMPRE, OS MALDITOS DEUSES ME ENGANARAM! E ALÉM DO MAIS, NÃO ME ACEITAM COMO DEUS! E EU NÃO SUPORTO MAIS ESSES MALDITOS PESADELOS! EU... EU... — ele parou de gritar, como se estivesse prestes a chorar, mas bufando concluiu: — EU VOU ME VINGAR DE ALGUÉM!
Dra. Pallas balançou a cabeça, como se estivesse confusa com as informações. Perguntou para Kratos:
— Mas seu irmão já não estava morto?
— ERA O QUE EU ACHAVA. — berrou o espartano — ELE HAVIA SIDO SEQUESTRADO QUANDO ERAMOS CRIANÇAS. DESCOBRI QUE ATHENA E ARES O HAVIAM LEVADO!
A doutora baixou o olhar para o pergaminho e engoliu saliva, depois voltou-se novamente para Kratos, que continuou a gritar:
— NÃO SEI POR QUE AINDA NÃO AQUELA DEUSA! ATHENA É OUTRA MENTIROSA.
Dra. Pallas escreveu no pergaminho, molhou a pena no tinteiro e voltou a escrever. Kratos, incomodado com o silêncio esbravejou:
— FALE ALGO MULHER! VIM AQUI PARA QUE ME AJUDE!
— Quer que eu te ajude em quê, deus da guerra? — Kratos ficou em silêncio — O senhor vem sempre aqui, grita, berra, esbraveja. E no final distorce tudo. Eu até tento aconselhá-lo, mas o senhor sempre arruma uma desculpa para matar, ou culpa alguém pelos próprios erros. Fica difícil ajudar alguém como o senhor que entende as coisas do jeito que quer.
— O QUE A DOUTORA QUER DIZER? —gritou o espartano com os olhos cerrados.
A psicóloga calmamente levantou-se, caminhou até um jarro de água. Encheu um copo, bebeu tranquilamente e depois voltou a sua cadeira e se sentou. Kratos a olhava com ódio, visivelmente irritado pela calma da doutora. Ela então disse:
— Desde a primeira consulta quero dizer isso ao senhor, mas temi uma reação violenta de sua parte...
O espartano a interrompeu gritando:
— PARECE QUE SOU VIOLENTO POR QUALQUER BESTEIRA!
A doutora olhou para ele sem saber se era cinismo ou idiotice a indignação na frase. Ela encarou Kratos e disse:
— Então... —levantou uma sobrancelha — o senhor é uma criança.
Fez-se um silêncio sepulcral no consultório. O deus da guerra olhava para a psicóloga com uma expressão incrédula. Ele abriu a boca, tentando formular alguma frase para gritar, mas antes do brado, a Dra. Pallas continuou:
— Enquanto o senhor não assumir a culpa pela morte da sua família, e também por todas as outras mortes que sem motivo o senhor causou, não haverá paz em sua consciência. Só uma pergunta, qual deus o senhor matou dessa vez para que chegasse até seu irmão?
Kratos olhou para baixo, quase parecendo envergonhado, e num grito quase normal, resmungou:
— THANATOS.
A Dra. Pallas baixou a cabeça e levou as mãos à testa. Falou com uma calma calculada:
— Você matou Caronte, o barqueiro que levava as almas para o submundo. E agora mata simplesmente o deus da morte? Hades não deve gostar muito do senhor, não é mesmo? Afinal, além de matar Pérsefone, a esposa dele, agora mata também seus subordinados! — ela fechou os olhos — Por que matou Thanatos?
— ERA ELE QUEM MANTINHA MEU IRMÃO PRESO. E EU ESTAVA LÁ QUANDO ELE MATOU DEIMOS! EU TINHA QUE ME VINGAR!
— Então o senhor encontrou seu irmão ainda vivo. E como seu irmão morreu?
Kratos olhou para o lado e com um bico enorme bradou:
— ELE ESTAVA ME AJUDANDO A ENFRENTAR THANATOS.
— Ah! Então seu irmão Deimos, que não era deus e nem um semideus estava te ajudando a enfrentar o deus da morte, e por um acaso ele morreu na luta? Interessante.
Kratos bufou. Dra. Pallas perguntou:
— Pensando nisso, há algo que me intriga. Quantas vezes o senhor já esteve no submundo?
O deus da guerra se endireitou no divã, apoiou o queixo no punho direito e gritou baixo:
— BOM, TEVE A VEZ QUE MORRI. — ficou pensativo por alguns segundos — E TAMBÉM TEVE AS VEZES EM QUE SIMPLESMENTE ENTREI LÁ PARA CUMPRIR ALGUMA MISSÃO. MAS NO TOTAL, ACREDITO QUE ATÉ AGORA FORAM 3 OU 4 VEZES.
A psicóloga com ar sarcástico pergunta ao espartano:
— 3 vezes? E em uma delas o senhor tinha morrido? — Dra. Pallas falou baixo, quase suspirando: — Por isso os deuses te odeiam, pois não adianta matar o senhor.
— OQUE?!
— Nada não, me desculpe. Mas continuando, após a morte de Deimos o senhor decidiu se vingar, correto?
Com a sua característica carranca, o deus da guerra encarou a psicóloga e gritou cuspindo:
—NA VERDADE, EU JÁ ESTAVA LÁ PARA ME VINGAR POR TEREM SEQUESTRADO MEU IRMÃO.
— E por que o senhor matou Thanatos?
— POR VINGANÇA, JÁ QUE ELE MATOU MEU IRMÃO!!
A Dra. Pallas esfregou os olhos, e disse:
— Sr. Kratos, eu não estou te entendendo. O senhor diz que estava No submundo para se vingar de quem quer que fosse pelo sequestro do seu irmão, e que após a morte desse mesmo irmão, o senhor matou Thanatos por vingança por ele ter matado seu irmão? É isso mesmo?
Kratos abriu os braços, fazendo as correntes tilintarem, e com os dentes travados berrou:
— SIM!
— É muita vingança, não acha? O senhor já faz algo na vida que não fosse por vingança após a morte de sua família?
O deus da guerra ficou pensativo por alguns segundos, e então mudou sua feição. O sangue da psicóloga gelou, pois estava vendo algo que até a presente data não havia visto. Na face de Kratos, um assustador sorriso se estampava, e ele falou com uma voz branda, serena, e sem cuspir:
— De vez em quando doutora, gosto de visitar algumas casas... como posso dizer, muito bem frequentadas de Esparta. — o sorriso do espartano se alongou mais enquanto ele fechava os olhos e continuava a falar: — Ou mesmo durante uma batalha, algumas mulheres as vezes estão lá, dispostas, sem se importar com o suor ou o sangue impregnado no seu corpo...
Enquanto ele ia falando, detalhando grosseiramente a única coisa que não fazia por vingança, o rosto da Dra. Pallas foi se transformando numa careta. E então foi a vez dela gritar:
— JÁ CHEGA!
Kratos abriu os olhos e desfez o sorriso, assustado com a explosão da psicóloga. E logo sua face voltou ao normal, trazendo consigo a característica carranca.
Dra. Pallas se recompôs, fez mais algumas anotações no pergaminho, e então falou:
— O seu grande problema, senhor Kratos, é que o senhor não assume seus erros. — o deus da guerra esboçou um novo grito, mas a doutora continuou: — Desde sua primeira consulta, a sua principal atitude foi culpar os deuses. E sempre que relatava alguma morte causada por qualquer destempero seu, havia sempre uma justificativa. O senhor admite que matou sua mulher e filha, porém culpou Ares. Consequentemente matou Ares, e justificou tal ato pela vingança. Sem contar que o senhor matou Caronte, Pérsefone e Thanatos, acabando com a infraestrutura do submundo. Mas claro, o senhor justificou tais mortes como cumprimento de ordens dos deuses (que o senhor diz tanto odiar, mas que obedece na primeira oportunidade), ou simplesmente diz que se vingou. Isso sem contar as Fúrias, que estavam cumprindo o papel delas, punindo o senhor por ter quebrado o juramento de servidão a Ares, e mais uma vez por pura vingança, o senhor as matou.
A psicóloga esperou o espartano absorver suas palavras, e então continuou:
— As pessoas a sua volta morrem por suas mãos ou por sua causa. Enquanto continuar nesse caminho de vingança e sem aceitar sua verdadeira culpa, nunca haverá paz dentro de você. Os deuses têm sua parcela de culpa em suas desgraças Kratos, mas o senhor precisa entender que o maior culpado é o senhor mesmo. — o deus da guerra não esboçou reação — E olha que nem citei as pessoas inocentes que o senhor matou no caminho apenas por orbs vermelhos, para usar seus corpos como peso em plataformas ou ainda como sacrifícios vivos.
Kratos ficou em silêncio. O som de seus dentes rangendo podia ser ouvido por todo o consultório.
Dra. Pallas disse:
— Aconselho o senhor, a partir de agora, a apenas cumprir seu papel de deus da guerra. Se chegou ao topo, usufrua desses privilégios. Os deuses podem até não aceitá-lo, e acredito que Hades pode estar querendo arranjar algum jeito de matá-lo, mas Athena aparentemente gosta do senhor. Ela até deu para o senhor suas novas espadas, não é verdade? E...
Nesse momento, Kratos ficou de pé encarando a Dra. Pallas. Aos berros disse:
— COMO A DOUTORA SABE QUE MINHAS NOVAS ESPADAS FORAM DADAS POR ATHENA? — a psicóloga tentou falar algo, mas Kratos irado continuou gritando: — E EM MOMENTO ALGUM EU DISSE QUE ELA GOSTAVA DE MIM, OU QUE DEMONSTRARA QUALQUER TIPO DE AFETO!!! DE ONDE A DOUTORA TIROU ISSO?!
— Bem, sabe como é, as pessoas comentam. Toda a Grécia comenta essa sua relação com a deusa da sabedoria, assim como comentavam sobre Ares e Afrodite. Todos sabem que foi ela quem deu as dicas para que o senhor conseguisse derrotar Ares. Dizem até... — ela olhou nos olhos do espartano, e mesmo notando o ódio naquele o olhar, concluiu — que vocês têm um romance.
O silêncio no ambiente era congelante. A Dra. Pallas engoliu a saliva, sabendo que poderia morrer a qualquer momento. Então ela percebeu, e novamente foi assustador, um meio-sorriso se construindo no lábio de Kratos. Porém ele se apressou em retomar a expressão fechada de sempre. Então, num grito quase sereno, falou:
— ATHENA É APENAS UMA AMIGA, EU ACHO. NA VERDADE, NÃO A ENTENDO. JÁ MENTIU PARA MIM OUTRA VEZ. ME AJUDOU CONTRA ARES, MAS SEQUESTROU MEU IRMÃO. ENTÃO, AINDA NÃO CONFIO PLENAMENTE NELA. MAS NÃO, NÓS NÃO TEMOS UM ROMANCE. SÃO APENAS BOATOS DESSES GREGOS AFETADOS E FOFOQUEIROS!!! DIGA-ME QUEM INVENTOU ESSAS HISTÓRIAS, E EU...
— Nada disso! — interrompeu a doutora — Nada de se vingança novamente. Tente se acalmar, volte para o Olimpo e viva como o deus que agora é. Quem sabe com o tempo os deuses aprendam a conviver com o senhor. — Kratos a encarava com expressão incrédula — Ou melhor dizendo, não espere muito do Olimpo, são um bando de cobras. Mas tente seguir meu conselho. Volte ao Olimpo, seja um deus, e aprenda a conviver com sua culpa. Os deuses não precisam perdoá-lo se o senhor se perdoar.
Kratos baixou o olhar, pensativo. Suspirou. Olhou então para a psicóloga, e com o semblante fechado bradou:
— FAREI O SEGUINTE: ENQUANTO EU FOR O DEUS DA GUERRA, ESPARTA NÃO PERDERÁ MAIS NENHUMA BATALHA. COMO DEUS DA GUERRA, MINHA CIDADE NÃO SERÁ MAIS DERROTADA.
Dra. Pallas balançou a cabeça e falou:
— Não é isso senhor Kratos. Creio que o senhor novamente entendeu tudo errado. O que eu quis dizer é que...
— EU ENTENDI O QUE A DOUTORA QUIS DIZER! NÃO SOU TÃO IDIOTA COMO A SENHORA PENSA! — interrompeu gritando Kratos, enfatizando o final da frase.
Kratos olhava significativamente para a doutora, e então concluiu seu raciocínio aos gritos:
—VOU SEGUIR SEU CONSELHO DO MEU JEITO, DOUTORA. SEREI O DEUS QUE EU QUISER SER, E NÃO O DEUS QUE OS DEUSES QUEREM QUE EU SEJA. ESPARTA SERÁ A MAIOR DAS CIDADES!
Dra. Pallas tentou argumentar:
— Mas Kratos, os deuses não vão gostar disso. Você como um deus não pode interferir constantemente nos conflitos da humanidade.
— NÃO ME IMPORTA O QUE OS DEUSES PENSAM.
— Eles vão tentar te impedir. — falou ela com certa súplica no olhar.
— SE O OLIMPO TENTAR ME IMPEDIR, EU IMPEDIREI O OLIMPO!
E ao dizer isso, Kratos começou a caminhar em direção a saída do consultório. Dra. Pallas observava impotente o caminhar do espartano. Antes de sair, como gostava de fazer, Kratos gritou sem olhar para traz:
— ACREDITO QUE NÃO VOLTAREI A ME CONSULTAR COM A DOUTORA. — ele então olhou para a psicóloga por cima do ombro, ainda de costas, e com o seu assustador meio-sorriso, falou estranhamente sem gritar: — Porém, quem sabe nos encontremos no Olimpo.
E partiu caminhando altivo e sem pressa.

Minerva entrou no consultório e viu a psicóloga sentada no divã, catatônica. Minerva falou:
— O que aconteceu?
A psicóloga olhou vidrada para sua assistente, e monotônica disse:
— Ele descobriu. Ele sabe. Kratos sabe.
— Descobriu o quê? O que ele sabe?— perguntou a assistente.
— Tudo. Tudo sobre mim.
A assistente sentou-se na cadeira da psicóloga e falou:
— E agora minha senhora?
Pallas respondeu:
— Agora? — suspirou — Agora você leva os pergaminhos para o meu pai, como das outras vezes, e eu vou até o Olimpo tentar dialogar com o deus da guerra.
— Mas senhora, ele pode se irar e atacá-la.
A psicóloga sorriu e disse:
— Ele está sempre irado, isso um problema contínuo. E além do mais, ele gosta de mim, eu sei disso. — se levantou e entregou os pergaminhos para sua assistente — Eu tenho que tentar mudar a cabeça desse espartano de qualquer jeito. Não adianta o Olimpo tê-lo usado para destronar Ares se ele for pior ainda que o antigo deus da guerra. Nesse caminho, ou o Olimpo o destrói, ou ele destrói o Olimpo.
A assistente pegou os pergaminhos, mas antes de partir fez uma ultima pergunta para sua senhora:
— E como a senhora planeja mudar as intenções dele?
A psicóloga olhou para sua assistente, tentando encontrar algo muito inteligente para falar. Mas como não encontrou uma resposta melhor, apenas disse:
— Ainda não sei, mas vou pensar em algo. — afundou o rosto nas mãos, e se transfigurou, mostrando então sua verdadeira face. Disse: — Afinal, eu sou a deusa da sabedoria, não sou?


Fim (?)

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