quarta-feira, 3 de abril de 2013

Contos dos Games #2: O Laço Vermelho


O Laço Vermelho

  Estava desesperado. Confuso. Assustado.
  Seu coração palpitava freneticamente. Olhou para um lado, e depois para o outro. Dessa vez não viu ninguém. Tentou relembrar o que havia ocorrido, mas a ultima coisa de que se recordava era de estar em uma balada cheia de efeitos de luz, musica dançante.
  Forçou mais um pouco a memória, e dessa vez lembrou-se de alguém lhe oferecendo uma pílula. Querendo sentir novas sensações ele aceitou, e depois não se lembrou de mais nada.
  Estava agora em um beco escuro, grudado de costas na parede. Alguns segundos atrás ele acreditou ter visto vulto avermelhado o seguindo, mas assim que olhou novamente, o vulto sumiu. Ou estava ficando louco, ou o mundo havia enlouquecido.
  Mesmo na noite fria, sentiu uma gota de suor escorrer pelo pescoço. Engoliu a saliva, e decidiu voltar a caminhar.
  Ao olhar para o chão, se deparou com algo mais surreal ainda. Pequenos pedaços de pão, jogados, um seguido do outro, como se demarcassem um caminho. Lembrou-se da história de João e Maria, mas isso era um conto de fadas, e ele estava agora era em um pesadelo. Seguiu o caminho de pedaços de pão no chão, não por fome, mas por mórbida curiosidade.
  A cada três passou, olhava as suas costas, pois a sensação de que estava sendo seguido ainda o incomodava. Percebeu que mais a frente, outro beco cruzava aquele em que estava. Ao chegar ao cruzamento, olhou para os dois lados, e esse beco era ainda mais escuro. Para a surpresa dele, os pedaços de pão também seguiam pelos dois lados do beco. Balançou a cabeça, ainda meio zonzo. Tinha que lembrar como fora parar ali. Que sádico desgraçado o teria colocado naquela situação.
  Sentiu um frio na espinha, e ao olhar para trás, um vulto esverdeado estava ao fim da viela, e vinha na direção dele. Desesperado, virou a esquerda e começou a correr, na esperança de encontrar o fim do beco.

  No desespero, saiu chutando os pedaços de pão. Tinha que achar algum lugar mais iluminado, um lugar onde encontrasse ajuda. Precisava sair de onde quer que estivesse. Passou correndo por outro beco que cruzava aquele em que estava. Não se deu ao trabalho de mudar de direção, mas ao olhar para a escuridão deste outro beco, viu ao fundo o vulto avermelhado que anteriormente o estava seguindo. Querendo gritar, acelerou o passo. E enfim encontrou o fim do beco.
  Para desespero dele, deu de cara com uma parede gigantesca. Olhando para cima, não via o fim. Estava na verdade em outro beco na diagonal do anterior, com os mesmos pedaços de pão no chão. Encostou as costas na parede e olhou para o beco que havia percorrido. Quase vomitou tamanho o terror que o tomou nesse momento.
  Agora três vultos vinham em sua direção, um avermelhado, outro esverdeado e o terceiro de um alaranjado macabro. Viu bem os olhos famintos e vidrados nele, quase saltando para fora das órbitas inexistentes dos vultos. Não sabia o que fazer. Só podia estar sonhando. Olhou para esquerda e viu escuridão. Olhou para direita, e mais escuridão. Não podia voltar pelo mesmo caminho. Virou para a esquerda para correr, mas dessa vez não pôde conter o grito de terror.
  A dois metros dele um quarto vulto, branco, quase transparente, vinha sorrateiramente na sua direção. Virou-se rapidamente para a direita e disparou, tropeçando e chutando os pedaços de pão.
  Forçou a vista para tentar enxergar, mas única coisa que se destacava no chão escuro eram os pedaços de pão. Não acreditava que algum louco teria feito isso. Olhou novamente para trás, e três dos vultos ainda o perseguiam. Cruzou outro beco, e o vulto avermelhado estava lá, tentando cercá-lo. Quando se virou para frente para continuar a corre, tropeçou em algo e se esborrachou no chão, ralando o joelho e cotovelo. Aterrorizado, e agora sentindo uma dor lancinante, conseguiu ainda se virar para ver onde tinha tropeçado. Quis chorar ao ver o crânio sem vida no chão, com as órbitas vazias.
  Só podia estar no inferno! Com certeza, aquele lugar era o inferno. Mas ele não tinha tempo para pensar nisso, tinha que continuar fugindo. Apoiou-se na parede do beco, e enquanto se esforçava para ficar em pé, notou que havia algo escrito em vermelho na parede. Olhou para os lados assustado e os vultos estavam ainda um pouco afastados, mas continuavam sedentos, com os olhos fixos nele. Afastou-se da parede para ler, e não entendeu nada:
  “Não desperdice pão”
  Era isso que estava escrito. Ele colocou as mãos no rosto e riu como um louco. Se estava no inferno, então queria saber onde estava o diabo. Forçou-se a voltar a sanidade quando o vulto avermelhado saiu do beco que havia cruzado e bem mais próximo que os outros três vultos, veio na sua direção.
  Voltou a correr, remoendo o que estava escrito na parede: “Não desperdice pão”. Era uma loucura! Mas o que era normal nisto que estava vivendo? Os pedaços de pão continuavam se destacando a sua frente. E num estalo de loucura, ou lucidez, ainda correndo se abaixou, pegou três pedaços de pão. Já estava mais afastado dos vultos. Parou um pouco e começou a mastigar um dos pedaços de pão. Ignorou o fato de que estava sujo de terra, ou quantas pessoas poderiam ter pisado nele. O que poderia matá-lo num pesadelo ou no inferno?
  Para sua surpresa, ao engolir o pão, o beco se tornou mais claro. Pôde enxergar melhor o lugar onde estava. Levou o segundo pedaço a boca, mastigou e engoliu. E dessa vez viu que estava cercado por paredes altíssimas, e no alto, um teto de concreto, sem colunas visíveis que o mantivesse suspenso. Também havia algo escrito no teto, mas devido a altura e, a ainda pouca visibilidade, não conseguiu ler. Olhou para o lado, e os vultos esverdeado e branco estavam mais próximos agora. Precisava mais uma vez correr. Virou na direção contrária aos dois vultos, e se assustou ao ver os outros dois vultos do outro lado, o cercando. Forçou-se a pensar rápido, e agora enxergando melhor, viu que entre ele e os outros dois vultos havia um beco. Disparou e antes que o pegassem e virou a direita, entrando no beco.
  Mesmo correndo, comeu o terceiro pedaço de pão. Tudo estava bem mais claro agora. Olhou para cima e enfim leu o que estava escrito:
  “Coma tudo”.
  Teve vontade de chorar. Como assim “Coma tudo”? Só podia estar no mais bizarro dos infernos. No chão, centenas de pedaços de pão demarcavam seu caminho. Como comeria tudo aquilo? Teria que fugir desses malditos vultos enquanto comia?
  Chegou a outra parede e virou a direita. Deu de cara com o vulto branco, mas antes que fosse pego, virou a esquerda em outro beco. Foi então que percebeu em que lugar era esse que estava: Num labirinto.
  Teve então a certeza de que estava louco! Não era possível estar em uma balada, e em seguida acordar em um labirinto sendo perseguido por vultos coloridos, com pedaços de pão e crânios espalhados pelo chão! E ainda por cima sendo instruído por mensagens escritas na parede dizendo que deveria comer todos esses pedaços de pão! Que insanidade era essa? Ou ele estava louco, ou sem dúvida quem o colocara naquela situação era louco.
  Pegou mais pedaços de pão e os comeu. Enxergava bem melhor agora. Via bem os becos, e assim conseguia fugir dos vultos, que agora haviam se separado e tentavam cerca-lo. Ainda conseguia fugir, mas já estava ficando cansado, e em breve estaria exausto e sem condições de continuar. O labirinto deveria ter uma saída, só precisava acha-la.
  Já não suportava mais o sabor do pão, mas ainda assim se forçava a comer. Recostou-se em uma quina do labirinto, e tentou respirar um pouco. Estava exausto e com ânsias de vômito por ter comido tanto. Não sabia há quanto tempo estava ali. Perdera a noção de tempo. Seu único objetivo era fugir. Precisava sair vivo dali.
  Olhou para o chão, e os pedaços de pão estavam lá. Nojentos, sujos, pisoteados. Pegou mais alguns, e vendo um vulto aparecendo ao final do beco onde estava, voltou a correr.
  Virou a direita, e se assustou ao ver o vulto branco e o esverdeado na sua frente. Tentou correr para o outro lado, mas o vulto alaranjado estava lá, com os olhos saltados, sedentos. Ele calculou que talvez alcançasse um beco antes dos dois vultos que vinha juntos na sua direção. Correu o mais rápido que pôde, virou a direita no beco e deu de cara com o vulto avermelhado. Sem pensar conseguiu virar entrar em um beco a esquerda. E voltou a correr desesperadamente. Olhou para trás, e lá estavam eles: Vultos assustadoramente coloridos o perseguindo.
  Já estava sem esperanças, e novamente se encontrou em uma quina. Os pedaços de pão pesavam em seu estômago. O fôlego já não vinha com tanta facilidade. Suas pernas tremiam em câimbras insuportáveis. Deixou seus olhos se enxerem de lágrimas, e começou a aceitar o que quer que acontecesse caso os vultos o pegassem.
  No lado esquerdo do beco, o vulto branco e o esverdeado apareceram. Com os olhos vidrados nele dispararam para o ataque. No lado direito, a mesma cena, mas com cores diferentes: Vinham o vulto avermelhado e o alaranjado. Os olhos daquelas coisas eram o que mais assustava. Olhos famintos. Olhos vivos, e ao mesmo tempo, mortos.
  Ele se sentou no chão, aceitando sua eminente morte. Foi quando notou no chão algo que não era nem um pedaço de pão, e nem um crânio. Era algo como um pastel, redondo, cheirando bem. Sentiu até fome. Olhou novamente para o gigantesco teto, e num outro ângulo leu novamente: “Coma tudo”. Já que estava condenado, por que não tentar isso também.
  Na primeira mordida já se sentiu diferente. Suas forças voltaram. Seu estômago, como por mágica, se esvaziou. Ficou em pé novamente, e enquanto devorava o pastel, olhou para os dois vultos da esquerda e notou que eles não estavam mais na cor branca ou esverdeada. Estavam agora num azul escuro, quase cinza. E os olhos que antes estavam famintos, agora transmitiam um horror latente. Os vultos deram meia volta, e começaram ir na direção contrária. Estranhamente aquela cor e aqueles olhos despertaram nele uma fome insuportável. E sem achar estranho ou surreal, já que estava num mundo de insanidade mesmo, desejou devorar aqueles vultos. E por instinto, partiu perseguindo aqueles que antes eram seus perseguidores.
  Com força sobre-humana, alcançou o primeiro vulto, que agora pouco importava se era o branco ou o esverdeado. Era apenas o vulto azul escuro e de um sabor maravilhoso logo na primeira mordida. Sem saber como, com uma voracidade bestial, devorou a criatura em menos de dez segundos. E ele, macabramente, o achara delicioso. Apenas os olhos da criatura continuavam flutuando no ar, ainda amedrontados e fugindo dele, se perdendo dentro do labirinto. Antes que o segundo vulto conseguisse fugir, ele correu e o agarrou ferozmente, devorando-o em menos tempo que o primeiro. Mais uma vez, olhos assustados fugiram flutuando.
  Agora ele era o predador. Esses malditos vultos pagariam. Saiu a caça dos outros, que agora graças ao efeito sobrenatural do pastel tinham um saboroso cheiro acre. Virou a esquerda num beco, correndo com um animal, avistou a frente um dos vultos. Alcançou sua vitima e sentindo-se rei daquele labirinto, rasgou a presa em vários pedaços, transformando a criatura em apenas farrapos e olhos flutuantes.
  Pensou em perseguir o ultimo vulto, mas estranhamente todos aqueles instintos, toda aquela força estava sumindo. Precisava se apressar.
  Começou a correr na direção do doce odor acre. Avistou então o ultimo vulto, fugindo assustado. Estranhamente, a criatura agora alternava constantemente entre as cores azul escuro e avermelhado. Ele se apressou, e estava a poucos metros da vitória.
  Saltou para diminuir a distância e esticou os braços na direção da presa. Mas antes que agarrasse a criatura, ela mudou uma ultima vez de cor, do azul escuro para o avermelhado. E antes que ele terminasse o salto, o vulto se virou para ele, com os mesmos olhos famintos de antes. Antes que ele tocasse o chão, a criatura escancarou sua boca e com um bote mortal mordeu sua jugular.
  Um frio sobrenatural tomou conta dos seus ossos, e novamente o labirinto foi ficando escuro. A criatura enterrou novamente seus dentes, dessa em seu ombro. Não sentia dor, medo, raiva. Sentia apenas um frio gritante. A criatura era quase carinhosa cada vez que lhe arrancava um naco de carne. Caiu de joelhos e ainda conseguiu ver os outros três vultos, recompostos, com seus olhos vivos, famintos, sedentos, vindo em sua direção.
  Enquanto ele era devorado pelos quatro vultos do labirinto, deixou-se mergulhar prazerosamente no torpor da morte. O frio tomava-lhe conta do corpo e da consciência. Agora, ele não se perguntava mais o que fazia ali, ou o porquê dos pedaços de pão. Sentia sim uma tristeza latente, que o incomodava como uma ultima fonte de calor em seu corpo. E essa tristeza, esse calor que impedia que o frio o dominasse por completo era a única coisa que realmente importava para ele e que o fizera tentar sobreviver nesse labirinto de pesadelos. Sua namorada. Sua doce e inocente namorada.
  Sua ultima visão antes do fim foi o sorriso dela, e seu belo laço vermelho, que a deixava mais linda ainda. Vermelho como o vulto que o devorava. Vermelho como os morangos que ela adorava. Vermelho como o sangue que agora manchava os pedaços de pão no chão. Seu belo laço vermelho.

E então, tudo se apagou.

Autor: Kaduk

Um comentário:

  1. Desafio no Modo Easy: Qual o game em que o conto se baseou?
    Abraço a todos!

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