A Psicóloga e o Espartano
Parte 01
E lá estava ele, com suas espadas magicamente presas nas costas e sua cor pálida de pele.
Não a toa era chamado de Fantasma de Esparta. Um nome imponente, e que refletia bem como se sentia nos últimos tempos: Um Fantasma.
Havia matado por engano sua esposa, e vivia pensando no que faria a seguir. Vingança ou perdão? Pois, culpava os deuses pelo que tinha feito, e principalmente Ares, o deus ao qual servia na época da fatalidade.
Para chegar a uma decisão, resolveu se consultar com uma psicóloga, indicada por um oráculo ateniense antes que a matasse para usar seu corpo como peso para baixar uma plataforma.
Achava os atenienses estranhos, afetados. Mas pelo menos eram mais inteligentes que os espartanos, que só pensavam em guerra. Enquanto divagava, com certo nojo, sobre a história que tinha ouvido sobre como nasceu Afrodite, ouviu alguém chamar seu nome:
— Kratos. General Kratos!
Ele se levantou. Gritou em seguida:
— SIM!
A mulher se assustou com o grito. Se recompondo, olhou o pergaminho em sua mão e disse:
— Sr. Kratos, a Dra. Pallas o chama.
O espartano caminhou desconfiado até o consultório. Lá dentro viu a psicóloga, uma mulher atraente, mas com um ar de sabedoria o esperava. Ela fez sinal para que ele entrasse. O espartano, com uma espécie de aceno misturado com careta, a cumprimentou. Ela fez sinal para que ele se acomodasse em uma espécie de cama de pedra, forrada por um tecido macio, que possuía um encosto de penas para sua cabeça. Ele se sentiu confortável.
— Bom dia Sr. Kratos. Gostou do divã?
— DIVÃ? QUE NOME ESTRANHO. MAS BOM DIA PARA VOCÊ TAMBÉM!!!
— Obrigada. — respondeu educadamente Dra. Pallas — Mas me diga como vai o senhor?
— IRRITADO E CONSTIPADO, POR QUÊ?!?!
— Por nada. — vendo que o homem era arredio, a doutora emendou: — Porém se o senhor pretende se consultar comigo, terá que me falar um pouco sobre seu dia, sua irritação. — fez uma pausa dramática — Sobre sua vida.
— SOBRE MINHA PRISÃO DE VENTRE A DOUTORA NÃO VAI QUERER SABER? — perguntou Kratos aos berros, tentando parecer irônico, porém sem sucesso.
A psicóloga entendendo a chacota sorriu e disse:
— Não será necessário, pois provavelmente sua constipação se deve a sua irritação constante.
— fez uma pausa, enrugou a testa, se mostrando interessada e perguntou: — Faz muito tempo que o senhor não vai ao banheiro?
O espartano, nitidamente incomodado, bradou:
— NÃO TE INTERESSA. O QUE DIABOS VOCÊ QUER SABER DE MIM MULHER?
— Tudo aquilo que o senhor quiser me falar.
Kratos apenas resmungou e se virou, olhando para a janela do consultório.
A Dra. Pallas sentou-se em uma cadeira de frente com Kratos, pegou um tinteiro, uma pena e um rolo de pergaminho, e escreveu algo. Kratos incomodado berrou:
— O QUE ESTÁ ESCREVENO AÍ MULHER?
Ela sem olhar para ele respondeu:
— Seu nome, a data, e uma observação.
— QUAL OBSERVAÇÃO?! — esbravejou rangendo os dentes.
— Não posso te falar. Você fala, eu ouço e analiso. É assim que funciona. Se não concordar, sinto dizer-lhe que não poderei te ajudar.
— AH! QUE SEJA! — gritou Kratos.
— Posso lhe pedir uma coisa antes de começarmos? — perguntou educadamente a doutora.
— FALA!
— Grite somente quando estiver com raiva, e não em todo o tempo.
Kratos rangeu os dentes, a encarou ferozmente, fez a mais feia careta que podia, e mais uma vez bradou:
— EU ESTOU COM RAIVA AGORA. — cerrou os punhos — EU ESTOU COM RAIVA SEMPRE!
Dra. Pallas fechou os olhos, molhou a pena no pergaminho e escreveu algo. O espartano apenas observou com olhos injetados. Ela disse ainda escrevendo:
— Interessante. — olhou para ele — Conte-me mais sobre isso.
— MAIS SOBRE O QUE MULHER?
— Sobre essa raiva.
Ele se incomodou com isso. E o silêncio se instaurou por instantes no ambiente, e só foi quebrado pelo som da pena no pergaminho.
Kratos num estouro de raiva se levantou, novamente gritando:
— O QUE VOCÊ TANTO ESCREVE? EU NADA DISSE!!!
— Observações. — respondeu ela displicentemente — E o silêncio pode falar muito também.
— VOCÊ REALMENTE NÃO ME CONHECE, NÃO É MESMO?
— Sim, já ouvi falar de você, Fantasma de Esparta. — disse Pallas levantando uma das sobrancelhas.
— ENTÃO ME DIGA, O QUE TEM A DIZER SOBRE MIM?
— Caro Sr. Kratos, acredito que o senhor não entendeu o meu trabalho. Eu não opino do que eu ouvi falar. Eu ouço o paciente falar, e conforme ele fala, ele mesmo se analisa. Eu estou aqui apenas para te mostrar um caminho. O senhor é quem deve percorrê-lo. — a mulher, sem demonstrar medo e até com certa imponência, levou a mão ao queixo e disse: — Agora, ou o senhor se deita e fala sobre a sua raiva, jardins do olimpo, as brancas barbas de Zeus, ou pode ir.
Kratos, sem acreditar na insolência da mulher a sua frente, deitou-se indignado. Perguntou aos berros:
— E POR ONDE COMEÇO?
— Primeiro: Por que tanta raiva?
Ela a encarou. Levantou um pouco o queixo altivamente, e disse:
— OS DEUSES ME TRAÍRAM! E EU TEREI MINHA VINGANÇA!
Ela escreveu novamente no pergaminho, ele olhou de soslaio para ele sem nada dizer. A psicóloga perguntou:
— Por que você acredita que os deuses te traíram?
— COMEÇOU POR ARES. ELE ME LEVOU A MATAR MINHA MULHER E FILHA. ME GUIOU A INVADIR UMA VILA E A MATAR TODOS QUE ESTAVAM ALI. E AS DUAS ESTAVAM LÁ. FOI CULPA DELE!!
— Mas foi Ares quem matou as duas?
— NÂO! FUI EU MULHER! NÃO ME OUVIU?
— Ouvi sim. — disse a doutora enquanto escrevia novamente — Só não entendi por que você culpa Ares.
— FOI ELE QUEM ME MANDOU LÁ. ELE SABIA QUE EU ESTAVA CEGO DE FÚRIA. ELE QUERIA QUE EU MATASSE MINHA FAMILIA!
Dra. Pallas coçou atrás da orelha, e perguntou:
— Mas quem as matou foi você, não foi?
— SIM. MAS FOI CULPA DE ARES!!!! EU SÓ PERCEBI QUE ERAM ELAS DEPOIS QUE JÁ ESTAVAM MORTAS. ME ENTENDEU AGORA DOUTORA?
— Entendo. — e novamente escreveu no pergaminho — Eu não deveria te perguntar isso, mas não estou me aguentando. O senhor, em algum momento pensou em ver quem estava matando antes de matar?
Kratos cerrou os dois punhos. Socou uma mesinha que estava ao lado de seu divã partindo-a ao meio.
— EU NÃO DISSE QUE ESTAVA CEGO DE FÚRIA? EU OBEDECIA ORDENS! E A ORDEM ERA MATAR A TODOS.
— O senhor sabia onde elas estariam naquele dia? Há quanto tempo o senhor não via ou tinha notícias de sua família? Há quanto tempo não falava com sua esposa Sr. Kratos?
— EU ERA UM GENERAL ESPARTANO, E AINDA SERVIA AO DEUS DA GUERRA. EU NÃO TINHA TEMPO PARA... — Kratos parou de gritar e pendendo a cabeça para o lado esbravejou: — A DOUTORA NÃO DISSE QUE SÓ ME OUVIRIA E ME MOSTRARIA ALGUM CAMINHO? POR QUE ESTAS PERGUNTAS MALDOSAS? QUER ME CULPAR AINDA MAIS DO QUE EU ME CULPO PELA MORTE DA MINHA FAMILIA?
A mulher se mexeu desconfortável na cadeira, e disse:
— De maneira alguma senhor. Desculpe-me. Não tive a intenção de julgá-lo. Se desejar, prossiga.
Kratos baixou os ombros, e com certa dor em seu berro, disse:
— EU PENSEI NISSO. NÃO SOU TOTALMENTE INOCENTE...
A psicóloga pigarreou. Kratos desconfiou que tivesse sido proposital, mas mesmo assim continuou olhando-a desconfiado:
— CONTINUANDO, EU PODERIA TER PRESTADO MAIS ATENÇÃO. MAS DOUTORA, A SENHORA TEM NOÇÃO DA SENSAÇÃO BOA DE CORTAR CARNE E SENTIR O SANGUE MORNO ESPIRRANDO EM SEU ROSTO? E O MELHOR, TENDO A BENÇÃO DOS DEUSES, A SENHORA TEM NOÇÃO? ELES ME EMBRIAGARAM COM A SENSAÇÃO DE PODER. ELES ME TRAÍRAM!! TODOS OS DEUSES!
A Dra. Pallas coçou novamente atrás da orelha, e continuou:
— Mas o senhor gostava de matar?
Kratos com uma expressão perplexa gritou quase educadamente:
— DE CERTA FORMA, SIM. — olhou para baixo, como se tivesse constatado algo sobre si mesmo — A SENHORA ACHA QUE EU POSSA TER ALGUMA TENDÊNCIA A PSICOPATIA? — o general espartano estava com as duas mãos apoiadas em suas coxas. Entrelaçou os dedos e disse num tom de voz elevado: — EU NÃO DEVERIA TER PRAZER NISSO, NÃO É MESMO?
A mulher deu um olhar significativo para o espartano, porém em seguida baixou os olhos para o pergaminho e escreveu mais alguma coisa. Kratos já não se incomodava tanto com isso. Levantando os olhos para Kratos, a Dra. Pallas questionou:
— O que o senhor acha? — e dessa vez, ela entrelaçou os dedos das mãos sobre o pergaminho.
O grande General Espartano Kratos, o Fantasma de Esparta, parecia agora um garoto, tamanha a angústia em seus olhos. Ele se levantou, e começou a andar de um lado para outro. Voltando a sua feição normal, carrancudo, olhou para a doutora, inspirou e expirou pelo nariz. Ela continuava impassível.
Kratos esbravejou:
— NÃO POSSO MAIS TER PRAZER EM MATAR. ISSO É ERRADO. EU NÃO SOU UM PSICOPATA, SOU UM GUERREIRO.— olhando para o céu, bradou tão alto que provavelmente Hades também o ouviu no submundo: — OUVIRAM DEUSES MALDITOS, VOCÊS NÃO ME TRANSFORMARÃO EM UM MONSTRO. NÃO TEREI MAIS PRAZER NAS ATROCIDADES QUE ME OBRIGAM A COMETER! O OLIMPO NÃO VAI MAIS ME CORROMPER!
Dra. Pallas, incomodada com o barulho, perguntou:
— Mas por que o senhor grita tanto, sr. Kratos?
— EUNÃO ESTOU GRITANDO!! — gritou ele.
Ela bufou, escreveu no pergaminho, mas nada disse sobre os berros do espartano. Porém, como todo bom psicólogo, jogou a conclusão de tudo que fora dito para cima do paciente:
— E a que conclusão o senhor chegou?
— NÃO MATAREI MAIS POR PRAZER!
Ela mordeu a ponta da pena, e com o ar quase vitorioso, perguntou de forma retórica:
— Então o senhor não matará mais? Não terá mais esse desejo insaciável de vingança?
Kratos semicerrou os olhos, empunhou suas Blades of Caos, que estavam presas as suas costas (em alguma bainha mágica, provavelmente, pois o homem estava sem camisa), fechou a cara de uma forma assustadora, e berrou aos sete ventos, ao olimpo, ao submundo, aos mares, aos vizinhos, as cidades circunvizinhas, aos planetas do sistema solar...:
— MINHA SEDE DE VINGANÇA SÓ SERÁ SACIADA QUANDO ARES MORRER! PARTIREI AGORA DOUTORA, E SE OS DEUSES NÃO MA AJUDAREM EM MINHA BUSCA, TAMBÉM PAGARÃO! E AS MORTES EM MEU CAMINHO TERÃO SEMRE ALGUM PRÓPPOSITO. NÃO MAIS TEREI PRAZER EM MATAR!!
A Dra. Pallas, um pouco assustada com os berros do general espartano, tentando parecer indiferente, o indagou:
— E quais seriam os propósitos dessas mortes?
Ele caminhou até a porta, abriu, e antes de sair, olhou para trás, nos olhos dela, e disse:
— QUALQUER UM. DE PESO DE PLATAFORMAS A SACRIFICIO VIVO! OUSE EU PRECISAR DE ALGO QUE A PESSOA TENHA E NÃO QUEIRA ME DAR AMIGAVELMENTE. —ficou pensativo por instantes e gritou: — AH, E AS QUE ME INCOMODAREM, ME IRRITAREM, EU NÃO GOSTAR, FOR VELHA OU NOVA DEMAIS, E SE INTERPOR PROPOSITALMENTE OU NÃO EM MEU CAMINHO. SÓ MATAREI POR ESSES MOTIVOS. — acenou com a cabeça cumprimentando-a e partiu
Dra. Pallas continuou sentada por algum tempo em seu consultório. Levantou-se de supetão e chamou sua assistente:
— Minerva! Venha logo aqui!
A assistente veio correndo, e fazendo uma reverência a Sra. Pallas, disse:
— Sim senhora.
A psicóloga, com ar de superioridade falou:
— Levante-se. — a assistente se levantou — Pegue esse relatório e leve para Zeus.
A assistente, curiosa, deu uma passada de olhos no relatório sobre Kratos. Então perguntou para Dra. Pallas:
— E o que eu digo ao deus dos deuses?
Dra. Pallas olhou profundamente nos olhos de Minerva, e disse:
— Diga que eu o aconselho a criar empecilhos ou qualquer tipo de promessas idiota para impedir Kratos de chegar até Ares.
A assistente Minerva, de certa maneira insolentemente, indagou a doutora:
— Por que se preocupar tanto com este espartano?
A Dra. Pallas, ignorando a curiosidade em excesso de sua assistente, sentou-se em sua cadeira e acariciando sua coruja de estimação, disse:
— POR QUE ESTE ESPERTANO DESCONTROLADO AINDA PODE CAUSAR PROBLEMAS AO OLIMPO.
A assistente, assustada, correu para cumprir a ordem.
A psicóloga, preocupado, massageava as têmporas.
O espartano, de cara fechada, matava um homem para utilizar seu corpo como calço para uma porta de metal qualquer.
Fim da Primeira Parte.
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