A Psicóloga e o Espartano
Parte 02
E lá estava ele, novamente no mesmo consultório, esperando ser chamado pela atendente. Empunhava uma de suas espadas, a outra presa magicamente as suas costas. Não sabia por que tinha voltado ali depois de toda confusão que havia causado no mundo dos deuses!
Kratos agora era o novo deus da guerra, depois de ter matado o antigo deus, Ares. Mas não se sentia um deus.
E ainda por cima, o que um deus estaria fazendo se consultando com uma psicóloga? Como um deus não podia esquecer que havia matado sua própria família? Como um deus poderia se sentir rejeitado?
E perdido em devaneios, Kratos ouviu a assistente lhe chamar.
— A Dra. Pallas vai atendê-lo agora. – disse a assistente assim que ele se aproximou.
Com sua característica carranca, Kratos apenas meneou a cabeça e entrou no consultório.
A psicóloga o recebeu sorrindo:
— Novamente por aqui senhor Kratos. Entre. E pode se acomodar no divã.
Sem dizer uma palavra, Kratos se sentou no divã. Perdeu-se por um tempo no conforto do móvel, e provavelmente deixou isso transparecer no rosto, já que a Dra. Pallas disse simpaticamente:
— O senhor realmente gosta do meu divã, não é mesmo?
Novamente sem nada dizer, Kratos apenas a encarou.
Percebendo que como antes (ou sempre, ela pensou), Kratos estava de mau humor, pegou uma folha de pergaminho, uma pena e um tinteiro e disse:
— Pois bem senhor Kratos, o que o traz aqui?
O espartano coçou a barbicha com a ponta de uma de suas espadas, fungou e encarou a mulher com os olhos em fúria (como ele sempre fazia com qualquer um), no seu tom normal de voz, gritou:
— POR QUE NINGUÉM MAIS ME CHAMA DE GENERAL?!
A doutora molhou a pena no tinteiro e começou a escrever no pergaminho sem nada dizer. O Fantasma de Esparta por um momento demonstrou que poderia ficar vermelho de fúria. Cerrou os dois punhos, e berrando falou:
— VAI SOMENTE ESCREVER MULHER?
— Preciso fazer minhas anotações, senhor Kratos?
— EU ERA MAIS RESPEITADO QUANDO ERA APENAS GENERAL!!
A Dra. Pallas sorriu condescendentemente, e em tom sarcástico disse:
— Posso chama-lo de deus, se quiser.
Kratos a encarou com um ódio diferente, quase impotente. Com gritos quase angustiantes, bradou:
— NÃO ERA ISSO QUE EU QUERIA, DROGA! — suspirou — MAS O IDIOTA AQUI, ACREDITANDO QUE ESSES MALDITOS DEUSES IRIAM AJUDAR, OBEDECEU! FOI LÁ E MATOU A POBRE HIDRA. QUE CULPA ELA TINHA? EU NÃO SEI. — rangeu os dentes — COMO SEMPRE, APENAS CUMPRI ORDENS! E O QUE EU GANHEI? MAIS MISSÕES! — balançando a cabeça de um lado para o outro Kratos berrava: — SEMPRE QUE APARECE ALGUM PROBLEMA, ALGUÉM NO OLIMPO QUE DEVE SE ACHAR MUITO ESPERTO DEVE GRITAR:: “MANDA O IDIOTA DO ESPARTANO”!
— Mas o que isso tem a ver com você ser um deus agora?
— AH! EU MATEI O ARES! MAS QUE FIQUE BEM CLARO ELE ME MATOU PRIMEIRO.
A doutora novamente escreveu no pergaminho, ignorando a presença de Kratos. Com ar sábio, olhou para Kratos e perguntou:
— Quando o senhor diz que Ares o matou primeiro, o que o senhor quer dizer?
— QUE ELE ME MATOU PRIMEIRO, ORAS. — olhou irado para a doutora — EU IA ATRÁS DA CAIXA DE PANDORA PARA PODER MATÁ-LO, SEGUINDO MAIS UMA VEZ AS INTRUÇÕES DOS DEUSES QUE ME DISSERAM QUE ELA DÁ O PODER DE MATAR UM DEUS... SE BEM QUE... — deu um tapa na própria testa — ... EU MATEI A PÉRSEFONE SEM A DROGA DESSA CAIXA. ME MATEI PARA PEGAR ESSA MALDITA CAIXA. E LITERALMENTE MORRI POR ELA. E NO FIM, ACHO QUE NEM PRECISAVA DELA. — Kratos deu de ombros — MAS CONTINUANDO, AÍ ELE ME MATOU, FUI ATÉ O SUBMUNDO, SUBI POR UMA MALDITA TORRE DE LÂMINAS E DEPOIS EU O MATEI. — esbravejou o espartano — SIMPLES!
— Na verdade, não é tão simples. Talvez Ares estivesse se defendendo. Você iria matá-lo, não iria?
Kratos gritou:
— CLARO!!!
A Dra. Pallas levantou as sobrancelhas, fingindo surpresa, e perguntou:
— Mesmo eu imaginando a resposta, gostaria de saber por que o senhor desejava tanto mata-lo.
O novo deus da guerra se levantou de supetão e bradou:
— POR QUE É DELE A CULPA PELA MORTE DE MINHA ESPOSA E FILHA!
A doutora ficou olhando de baixo para cima para Kratos. E ele para ela, furioso. Ela baixou os olhos para o pergaminho e voltou a escrever. Mesmo de cabeça baixa, ela disse:
— Pode se sentar senhor Kratos. A consulta ainda não terminou.
Travando os dentes, ele se sentou, fazendo as correntes presas aos seus braços tilintarem.
— Como eu imaginava, — disse a doutora ainda de cabeça baixa — novamente a história da morte de sua esposa e filha. E pelo que eu me lembre, mesmo o senhor as tendo matado, é ele quem o senhor culpa. — Kratos concordou balançando a cabeça — Então por que o senhor está aqui, já que concluiu a sua vingança?
— POR QUE ALÉM DOS DEUSES NÃO ME ACEITAREM NO OLIMPO, ESTOU COMEÇANDO A ACHAR QUE ELES ME FAZEM DE IDIOTA!
A Dra. Pallas engoliu um risinho, Kratos não notou.
— E por que acha isso?
Kratos bateu as mãos nas coxas, suspirou e gritou:
— AH, ELES VIVEM ME MANDANDO PARA MISSÕS IDIOTAS DO TIPO: MATE AQUELE SEMIDEUS ALI. DESTRUA ESSE TEMPLO AQUI. ENCONTRE AQUELA ARMA LENDÁRIA. FAÇA COCEGAS NAQUELE TITÃ QUE SEGURA A TERRA. — coçou a barbicha novamente — COISAS DO TIPO. PARECE QUE NÃO ME QUEREM NO OLIMPO.
— E por que o senhor obedece os deuses? —perguntou a doutora de cabeça baixa.
— POR QUE ELES SÃO DEU... — parou antes de concluir o berro — ELES SÃO DEUSES, E EU TAMBÉM SOU! NÃO PRECISO OBEDECÊ-LOS. — e se levantou irritado.
— Calma Sr. Kratos. Sente-se, por favor. Não consigo dialogar com alguém de pé na minha frente, me encarando como se fosse me enforcar com minhas entranhas.
Kratos se sentou emburrado, a feição dura e fechada continuou em seu rosto. A Dra. Pallas bebericou um pouco de água e ofereceu a Kratos, ele negou com um gesto. Ela continuou a consulta:
— Sr. Kratos, será que os deuses do Olimpo não estariam com medo de seu temperamento? Afinal, o senhor matou as Fúrias...
— ELAS COMEÇARAM! — interrompeu Kratos
— ... matou Perséfone — continuou a Dra. Pallas — a esposa de Hades e deusa da..., bem, não me lembro. Mas ela era a rainha do submundo. Hades tem motivos para não gostar do senhor.
— ESSA MULHER ME PRESSIONOU EMOCIONALMENTE. BRINCOU COM O ESPÍRITO DA MINHA FILHA. E ALÉM DO MAIS, SE NÃO FOSSE EU, ELA TERIA LIBERTADO ATLAS. ELA ERA LOUCA, DESTRUIU O PILAR DA TERRA E TUDO QUE EXISTE!!
A psicóloga molhou a pena no tinteiro e prosseguiu escrevendo no pergaminho. De forma displicente, perguntou ao novo deus da guerra:
— E isso justifica o senhor ter matado as almas inocentes do Elíseos?
— JÁ ESTAVAM TODOS MORTOS! — bradou Kratos em sua defesa — E COMO VOCÊ SABE DISSO? — perguntou intrigado.
A psicóloga o encarou, e após dois segundos pensativa respondeu:
— Senhor Kratos, certas atrocidades são carregadas pelo vento. Toda a Grécia sabe o que senhor fez.
Sem resposta, Kratos gritou irritado:
— COMO EU DISSE, JÁ ESTAVAM TODOS MORTOS!
Percebendo que Kratos não admitiria culpa, Dra. Pallas tentou outro tipo de abordagem:
— Deixe-me ver: O senhor já matou as três Fúrias, Briaréu, Perséfone, prendeu Atlas sob o pilar da Terra, deixe-me ver, e também matou o barqueiro do submundo, Caronte. O submundo está uma confusão só após a morte dele. Tem filas e filas de almas para entrar no mundo dos mortos. Ouvi dizer que algumas almas estão acampando na entrada do submundo, ainda no mundo dos vivos. Zeus e Hades bem irritados com você. Hades muito mais, já que você matou a mulher dele. Mas me diga, por que matar o barqueiro? O que ele te fez?
— ELE NÃO QUIS ME DEIXAR PASSAR!! FUI OBRIGADO A MATÁ-LO.
Com um sorriso nos lábios, a psicóloga disse a Kratos:
— Senhor Kratos, a passagem pelo rio estige é apenas uma moeda. O senhor ofereceu uma moeda ao Caronte antes de partir para cima dele?
Kratos bufou, massageou as têmporas e berrou para a Dra. Pallas:
— EU NÃO TENHO BOLSOS MULHER!!! COMO EU IRIA LEVAR UMA MOEDA PARA O SUBMUNDO?!
Ela levou a mão ao queixo com uma expressão sábia, e ficou encarando o espartano sem nada dizer. Passando-se dois minutos, e sentindo-se incomodado pelo silêncio, Kratos explodiu em fúria berrando na direção da mulher:
— VAI FICAR ME ENCARANDO? MATÁ-LA SERIA MAIS FÁCIL DO QUE FOI COM O CARONTE!!
— E o senhor usaria meu corpo como peso em alguma plataforma? Tem alguma porta que o senhor precise abrir ou travar com meu corpo. Algum sacrifício humano necessário para pagar o seu almoço. Ou vai me matar apenas por orbs vermelhos? — os olhos de Kratos faiscaram— Pelo menos é essa a desculpa que o senhor usa para tanta matança. Mas pelas minhas pesquisas, esses “orbs vermelhos” que o senhor fala nunca foram vistos por mais ninguém além do senhor.
Kratos fez menção de gritar alguma coisa, mas a psicóloga o interrompeu:
— Deus da guerra, não o estou julgando. Quero apenas lhe mostrar que não adianta o senhor dizer que não tem mais prazer em matar se o senhor continua matando por outros motivos. Os deuses não lhe aceitam e o temem por que o senhor, na maior parte do tempo, é como uma criança. Não sabe lidar com o poder ou com perdas. Se o senhor sabe que pode matar, o senhor mata. Não adianta me olhar assim, pois o senhor pode até me matar, mas isso não mudará o fato de que o temor que os deuses têm de você foi nasceu pelas suas próprias atitudes. Se eles não te querem por perto é por temerem serem mortos apenas por que comeram todo o queijo em cubinhos que o senhor tanto gosta. — Kratos permanecia em silêncio, mas com ódio emanando dele — Sinto dizer, mas o senhor é descontrolado, desequilibrado é poderoso. E por isso o temem. Se o deus da guerra não se controla, a guerra destrói tudo. E mesmo sendo necessária, todos temem a guerra. O que eu quero lhe falar é que se o senhor não mudar, nunca será aceito no Olimpo.
Kratos respirava pelo nariz, com a mandíbula travada, com ódio extremo exalando pelos poros. Cerrou os punhos, e por um momento pareceu que ia saltar no pescoço da Dra. Pallas. Mas então, relaxou os ombros e suspirou. E num grito quase que apenas esbravejado, se ouviu do deus da guerra:
— MEU IRMÃO!!
Dra. Pallas, sem entender, perguntou:
— Como?
— MEU IRMÃO ME ACEITARIA.
— Eu não sabia que o senhor tem um irmão.
—TINHA. SEU NOME ERA DEIMOS. MAS ELE MORREU HÁ MUITOS ANOS.
— Sinto muito. O senhor quer falar sobre isso?
Kratos se levantou, as correntes tilintaram, olhou para a doutora e bradou:
— TENHO SONHADO COM ELE NOS ULTIMOS DIAS. NOS SONHOS, ELE PRECISA DE MIM. MUITO ESTRANHO. — deu um passo para a saída da sala — MAS NÃO QUERO FALAR SOBRE ISSO. VOU TENTAR ME CONTROLAR DOUTORA. MAS SE OS DEUSES CONTINUAREM ME FAZENDO DE IDIOTA, VÃO PAGAR. SE O OLIMPO CONTINUAR BRINCANDO COM AQUELE QUE CHAMAM DE DEUS DA GUERRA, O OLIMPO RUIRÁ.
Deu uma olhadela para trás, encarando a psicóloga, e partiu.
Após mais alguns minutos escrevendo no pergaminho, a Dra. Pallas chamou sua assistente:
— Minerva, venha cá!
A assistente, obediente, veio em segundos.
— Diga minha senhora.
A doutora lhe entregou os pergaminhos, e ordenou:
— Leve esses relatórios para Zeus, e diga que o espartano está para descobrir sobre o irmão. Como um deus, ele agora tem sonhos com visões. Ele não é tão idiota assim, e em breve vai perceber que não são apenas sonhos.
A assistente falou:
— Como a minha senhora disse da outra vez, ele realmente é perigoso. Quem diria, um mortal se tornar um deus. Isso nunca aconteceu no Olimpo, não é mesmo?
— Não. — respondeu Pallas — E se ele descobrir sobre o irmão, sua sede de sangue pode levá-lo a ser o único deus do Olimpo. Não entendo como podem existir tantos idiotas entre os deuses.
— Também digo isso a Zeus, senhora?
Dra. Pallas encarou a serva com o olhar faiscante e berrou:
— CLARO QUE NÃO IDIOTA! SE APRESSE! VAMOS!
E a assistente partiu branca de medo.
No consultório, Dra. Pallas sentou-se no divã e de olhos fechados falou para si mesma:
— Isso vai dar merda. — e suspirou.
Distante dali, o espartano forçava uma pobre harpia a levá-lo até o Olimpo.
Fim da segunda parte.
Percebendo que como antes (ou sempre, ela pensou), Kratos estava de mau humor, pegou uma folha de pergaminho, uma pena e um tinteiro e disse:
— Pois bem senhor Kratos, o que o traz aqui?
O espartano coçou a barbicha com a ponta de uma de suas espadas, fungou e encarou a mulher com os olhos em fúria (como ele sempre fazia com qualquer um), no seu tom normal de voz, gritou:
— POR QUE NINGUÉM MAIS ME CHAMA DE GENERAL?!
A doutora molhou a pena no tinteiro e começou a escrever no pergaminho sem nada dizer. O Fantasma de Esparta por um momento demonstrou que poderia ficar vermelho de fúria. Cerrou os dois punhos, e berrando falou:
— VAI SOMENTE ESCREVER MULHER?
— Preciso fazer minhas anotações, senhor Kratos?
— EU ERA MAIS RESPEITADO QUANDO ERA APENAS GENERAL!!
A Dra. Pallas sorriu condescendentemente, e em tom sarcástico disse:
— Posso chama-lo de deus, se quiser.
Kratos a encarou com um ódio diferente, quase impotente. Com gritos quase angustiantes, bradou:
— NÃO ERA ISSO QUE EU QUERIA, DROGA! — suspirou — MAS O IDIOTA AQUI, ACREDITANDO QUE ESSES MALDITOS DEUSES IRIAM AJUDAR, OBEDECEU! FOI LÁ E MATOU A POBRE HIDRA. QUE CULPA ELA TINHA? EU NÃO SEI. — rangeu os dentes — COMO SEMPRE, APENAS CUMPRI ORDENS! E O QUE EU GANHEI? MAIS MISSÕES! — balançando a cabeça de um lado para o outro Kratos berrava: — SEMPRE QUE APARECE ALGUM PROBLEMA, ALGUÉM NO OLIMPO QUE DEVE SE ACHAR MUITO ESPERTO DEVE GRITAR:: “MANDA O IDIOTA DO ESPARTANO”!
— Mas o que isso tem a ver com você ser um deus agora?
— AH! EU MATEI O ARES! MAS QUE FIQUE BEM CLARO ELE ME MATOU PRIMEIRO.
A doutora novamente escreveu no pergaminho, ignorando a presença de Kratos. Com ar sábio, olhou para Kratos e perguntou:
— Quando o senhor diz que Ares o matou primeiro, o que o senhor quer dizer?
— QUE ELE ME MATOU PRIMEIRO, ORAS. — olhou irado para a doutora — EU IA ATRÁS DA CAIXA DE PANDORA PARA PODER MATÁ-LO, SEGUINDO MAIS UMA VEZ AS INTRUÇÕES DOS DEUSES QUE ME DISSERAM QUE ELA DÁ O PODER DE MATAR UM DEUS... SE BEM QUE... — deu um tapa na própria testa — ... EU MATEI A PÉRSEFONE SEM A DROGA DESSA CAIXA. ME MATEI PARA PEGAR ESSA MALDITA CAIXA. E LITERALMENTE MORRI POR ELA. E NO FIM, ACHO QUE NEM PRECISAVA DELA. — Kratos deu de ombros — MAS CONTINUANDO, AÍ ELE ME MATOU, FUI ATÉ O SUBMUNDO, SUBI POR UMA MALDITA TORRE DE LÂMINAS E DEPOIS EU O MATEI. — esbravejou o espartano — SIMPLES!
— Na verdade, não é tão simples. Talvez Ares estivesse se defendendo. Você iria matá-lo, não iria?
Kratos gritou:
— CLARO!!!
A Dra. Pallas levantou as sobrancelhas, fingindo surpresa, e perguntou:
— Mesmo eu imaginando a resposta, gostaria de saber por que o senhor desejava tanto mata-lo.
O novo deus da guerra se levantou de supetão e bradou:
— POR QUE É DELE A CULPA PELA MORTE DE MINHA ESPOSA E FILHA!
A doutora ficou olhando de baixo para cima para Kratos. E ele para ela, furioso. Ela baixou os olhos para o pergaminho e voltou a escrever. Mesmo de cabeça baixa, ela disse:
— Pode se sentar senhor Kratos. A consulta ainda não terminou.
Travando os dentes, ele se sentou, fazendo as correntes presas aos seus braços tilintarem.
— Como eu imaginava, — disse a doutora ainda de cabeça baixa — novamente a história da morte de sua esposa e filha. E pelo que eu me lembre, mesmo o senhor as tendo matado, é ele quem o senhor culpa. — Kratos concordou balançando a cabeça — Então por que o senhor está aqui, já que concluiu a sua vingança?
— POR QUE ALÉM DOS DEUSES NÃO ME ACEITAREM NO OLIMPO, ESTOU COMEÇANDO A ACHAR QUE ELES ME FAZEM DE IDIOTA!
A Dra. Pallas engoliu um risinho, Kratos não notou.
— E por que acha isso?
Kratos bateu as mãos nas coxas, suspirou e gritou:
— AH, ELES VIVEM ME MANDANDO PARA MISSÕS IDIOTAS DO TIPO: MATE AQUELE SEMIDEUS ALI. DESTRUA ESSE TEMPLO AQUI. ENCONTRE AQUELA ARMA LENDÁRIA. FAÇA COCEGAS NAQUELE TITÃ QUE SEGURA A TERRA. — coçou a barbicha novamente — COISAS DO TIPO. PARECE QUE NÃO ME QUEREM NO OLIMPO.
— E por que o senhor obedece os deuses? —perguntou a doutora de cabeça baixa.
— POR QUE ELES SÃO DEU... — parou antes de concluir o berro — ELES SÃO DEUSES, E EU TAMBÉM SOU! NÃO PRECISO OBEDECÊ-LOS. — e se levantou irritado.
— Calma Sr. Kratos. Sente-se, por favor. Não consigo dialogar com alguém de pé na minha frente, me encarando como se fosse me enforcar com minhas entranhas.
Kratos se sentou emburrado, a feição dura e fechada continuou em seu rosto. A Dra. Pallas bebericou um pouco de água e ofereceu a Kratos, ele negou com um gesto. Ela continuou a consulta:
— Sr. Kratos, será que os deuses do Olimpo não estariam com medo de seu temperamento? Afinal, o senhor matou as Fúrias...
— ELAS COMEÇARAM! — interrompeu Kratos
— ... matou Perséfone — continuou a Dra. Pallas — a esposa de Hades e deusa da..., bem, não me lembro. Mas ela era a rainha do submundo. Hades tem motivos para não gostar do senhor.
— ESSA MULHER ME PRESSIONOU EMOCIONALMENTE. BRINCOU COM O ESPÍRITO DA MINHA FILHA. E ALÉM DO MAIS, SE NÃO FOSSE EU, ELA TERIA LIBERTADO ATLAS. ELA ERA LOUCA, DESTRUIU O PILAR DA TERRA E TUDO QUE EXISTE!!
A psicóloga molhou a pena no tinteiro e prosseguiu escrevendo no pergaminho. De forma displicente, perguntou ao novo deus da guerra:
— E isso justifica o senhor ter matado as almas inocentes do Elíseos?
— JÁ ESTAVAM TODOS MORTOS! — bradou Kratos em sua defesa — E COMO VOCÊ SABE DISSO? — perguntou intrigado.
A psicóloga o encarou, e após dois segundos pensativa respondeu:
— Senhor Kratos, certas atrocidades são carregadas pelo vento. Toda a Grécia sabe o que senhor fez.
Sem resposta, Kratos gritou irritado:
— COMO EU DISSE, JÁ ESTAVAM TODOS MORTOS!
Percebendo que Kratos não admitiria culpa, Dra. Pallas tentou outro tipo de abordagem:
— Deixe-me ver: O senhor já matou as três Fúrias, Briaréu, Perséfone, prendeu Atlas sob o pilar da Terra, deixe-me ver, e também matou o barqueiro do submundo, Caronte. O submundo está uma confusão só após a morte dele. Tem filas e filas de almas para entrar no mundo dos mortos. Ouvi dizer que algumas almas estão acampando na entrada do submundo, ainda no mundo dos vivos. Zeus e Hades bem irritados com você. Hades muito mais, já que você matou a mulher dele. Mas me diga, por que matar o barqueiro? O que ele te fez?
— ELE NÃO QUIS ME DEIXAR PASSAR!! FUI OBRIGADO A MATÁ-LO.
Com um sorriso nos lábios, a psicóloga disse a Kratos:
— Senhor Kratos, a passagem pelo rio estige é apenas uma moeda. O senhor ofereceu uma moeda ao Caronte antes de partir para cima dele?
Kratos bufou, massageou as têmporas e berrou para a Dra. Pallas:
— EU NÃO TENHO BOLSOS MULHER!!! COMO EU IRIA LEVAR UMA MOEDA PARA O SUBMUNDO?!
Ela levou a mão ao queixo com uma expressão sábia, e ficou encarando o espartano sem nada dizer. Passando-se dois minutos, e sentindo-se incomodado pelo silêncio, Kratos explodiu em fúria berrando na direção da mulher:
— VAI FICAR ME ENCARANDO? MATÁ-LA SERIA MAIS FÁCIL DO QUE FOI COM O CARONTE!!
— E o senhor usaria meu corpo como peso em alguma plataforma? Tem alguma porta que o senhor precise abrir ou travar com meu corpo. Algum sacrifício humano necessário para pagar o seu almoço. Ou vai me matar apenas por orbs vermelhos? — os olhos de Kratos faiscaram— Pelo menos é essa a desculpa que o senhor usa para tanta matança. Mas pelas minhas pesquisas, esses “orbs vermelhos” que o senhor fala nunca foram vistos por mais ninguém além do senhor.
Kratos fez menção de gritar alguma coisa, mas a psicóloga o interrompeu:
— Deus da guerra, não o estou julgando. Quero apenas lhe mostrar que não adianta o senhor dizer que não tem mais prazer em matar se o senhor continua matando por outros motivos. Os deuses não lhe aceitam e o temem por que o senhor, na maior parte do tempo, é como uma criança. Não sabe lidar com o poder ou com perdas. Se o senhor sabe que pode matar, o senhor mata. Não adianta me olhar assim, pois o senhor pode até me matar, mas isso não mudará o fato de que o temor que os deuses têm de você foi nasceu pelas suas próprias atitudes. Se eles não te querem por perto é por temerem serem mortos apenas por que comeram todo o queijo em cubinhos que o senhor tanto gosta. — Kratos permanecia em silêncio, mas com ódio emanando dele — Sinto dizer, mas o senhor é descontrolado, desequilibrado é poderoso. E por isso o temem. Se o deus da guerra não se controla, a guerra destrói tudo. E mesmo sendo necessária, todos temem a guerra. O que eu quero lhe falar é que se o senhor não mudar, nunca será aceito no Olimpo.
Kratos respirava pelo nariz, com a mandíbula travada, com ódio extremo exalando pelos poros. Cerrou os punhos, e por um momento pareceu que ia saltar no pescoço da Dra. Pallas. Mas então, relaxou os ombros e suspirou. E num grito quase que apenas esbravejado, se ouviu do deus da guerra:
— MEU IRMÃO!!
Dra. Pallas, sem entender, perguntou:
— Como?
— MEU IRMÃO ME ACEITARIA.
— Eu não sabia que o senhor tem um irmão.
—TINHA. SEU NOME ERA DEIMOS. MAS ELE MORREU HÁ MUITOS ANOS.
— Sinto muito. O senhor quer falar sobre isso?
Kratos se levantou, as correntes tilintaram, olhou para a doutora e bradou:
— TENHO SONHADO COM ELE NOS ULTIMOS DIAS. NOS SONHOS, ELE PRECISA DE MIM. MUITO ESTRANHO. — deu um passo para a saída da sala — MAS NÃO QUERO FALAR SOBRE ISSO. VOU TENTAR ME CONTROLAR DOUTORA. MAS SE OS DEUSES CONTINUAREM ME FAZENDO DE IDIOTA, VÃO PAGAR. SE O OLIMPO CONTINUAR BRINCANDO COM AQUELE QUE CHAMAM DE DEUS DA GUERRA, O OLIMPO RUIRÁ.
Deu uma olhadela para trás, encarando a psicóloga, e partiu.
Após mais alguns minutos escrevendo no pergaminho, a Dra. Pallas chamou sua assistente:
— Minerva, venha cá!
A assistente, obediente, veio em segundos.
— Diga minha senhora.
A doutora lhe entregou os pergaminhos, e ordenou:
— Leve esses relatórios para Zeus, e diga que o espartano está para descobrir sobre o irmão. Como um deus, ele agora tem sonhos com visões. Ele não é tão idiota assim, e em breve vai perceber que não são apenas sonhos.
A assistente falou:
— Como a minha senhora disse da outra vez, ele realmente é perigoso. Quem diria, um mortal se tornar um deus. Isso nunca aconteceu no Olimpo, não é mesmo?
— Não. — respondeu Pallas — E se ele descobrir sobre o irmão, sua sede de sangue pode levá-lo a ser o único deus do Olimpo. Não entendo como podem existir tantos idiotas entre os deuses.
— Também digo isso a Zeus, senhora?
Dra. Pallas encarou a serva com o olhar faiscante e berrou:
— CLARO QUE NÃO IDIOTA! SE APRESSE! VAMOS!
E a assistente partiu branca de medo.
No consultório, Dra. Pallas sentou-se no divã e de olhos fechados falou para si mesma:
— Isso vai dar merda. — e suspirou.
Distante dali, o espartano forçava uma pobre harpia a levá-lo até o Olimpo.
Fim da segunda parte.
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