Um sorriso insano está estampado em meu rosto.
É involuntário.
Este sorriso apenas
demonstra o estranho prazer que estou sentindo agora.
A onda de adrenalina
ainda percorre o meu corpo, me fazendo sentir algo nunca antes provado por mim.
Em minha mão direita
seguro uma submetralhadora com fumaça saindo do cano.
A minha volta
centenas de projeteis deflagrados formam uma espécie de circulo.
Estou em uma esquina
próxima ao centro da cidade.
Há sangue nas ruas.
Há corpos sem vida
nas calçadas.
Há caos.
E eu aqui,
sentindo-me maravilhosamente bem por ser o responsável pela cena de terror
desenhada ao meu redor.
Eu me chamo Nolan P.
Character.
E este é um dos
melhores dias da minha vida.
(Duas horas antes)
O plano de Michael
foi realmente perfeito. A missão de entrar com uma peça
da arma por dia na agência com o intuito de não levantar suspeitas e nem
acionar o detector de metais foi um sucesso.
Claro que precisei
de duas semanas, mas enfim estou com todas as peças aqui comigo agora. Só tenho
que lembrar como montar a pistola.
Ainda me pergunto o
que deu em mim para aceitar participar deste plano maluco. Mesmo sentindo uma
estranha excitação com a chagada do dia de colocarmos o plano em prática, o
medo ainda me incomodava um pouco.
De acordo com o
plano, eu devo deixar a pistola no banheiro para o Michael. E se der tudo
certo, ninguém vai descobrir que eu estou envolvido.
Olho para o relógio,
10:15h da manhã. Hora de ir ao banheiro e montar a pistola.
Achei que teria mais
dificuldades para montar usando as luvas de látex, mas como sempre Michael é
perfeito, e de tanto me explicar quase me transformou em um expert na montagem
de armas.
Agora com a pistola
montada com sucesso, basta escondê-la no lugar combinado, o lixinho do
banheiro.
Tudo bem que o
Michael tinha razão em dizer que esse seria o único lugar que ninguém iria
procurar, mas era extremamente nojento. Com uma careta e prendendo a
respiração, enfiei a pistola no fundo do balde do lixinho. Picotei as luvas com
uma tesourinha, joguei os pedaços no vaso e dei a descarga.
Pronto, agora era
com Michael, Franklin e com meu novo melhor amigo, Trevor.
Exatamente às
11:00hrs Michael estrou na agência. Como combinado sequer me olhou, apenas
pegou uma senha para ser atendido por um os gerentes, e se dirigiu em seguida
ao banheiro
Demorou uns 5
minutos até que Michael saísse de lá, e com certeza já estava com a arma na
cintura.
Às 11:15Hrs o
detector de metais travou a porta giratória para algum cliente.
Eu nem precisei
olhar para saber quem era: Franklin.
O detector de metais
apitou mais três vezes, e os seguranças começaram a se dirigir até a porta.
Franklin estava desempenhando bem o seu papel.
Como se eu não
soubesse o que estava acontecendo, me levantei e fui perguntar a um segurança o
“por quê” da confusão.
— Tem um crioulo
tentando entrar aqui, mas pelo jeito tem algum dente de ouro ou bala alojada no
corpo, pois mesmo tirando a carteira e as chaves o detector ainda informa a
presença de metais. — o segurança olhou para mim e sorriu — Esses neguinhos não
sabem que seu lugar é na senzala, não é Sr. Nolan?
Eu não respondi,
apenas continuei fitando a cena enquanto Franklin dava seu show.
Começava a aparentar
irritação e gritar que a escravidão já havia acabado, que ele tinha os mesmos
direitos que os brancos, incluía em seu discurso o maior numero de gírias
possíveis por frase
Nunca havia visto um
estereótipo tão bem representado.
Olhei de canto de
olho para Michael que se levantava e se dirigia até a aglomeração de
seguranças.
Era hora do show!
Um dos seguranças
falou para Franklin:
— Senhor, por favor
fique atrás da linha amarela. —
Franklin obedeceu.
— Agora senhor, será que
não há mais nenhum objeto de metal com o senhor?
Franklin pareceu
ponderar um pouco e então falou:
— Pensando bem, acho
que você deve estar falando disso.
Franklin então puxou
da cintura uma submetralhadora. Todos os seguranças sacaram suas pistolas, mas
antes que qualquer um pudesse fazer algo, Michael colou em um deles e levou a
pistola que eu havia montado até a têmpora do coitado:
— É o seguinte, se
vocês não quiserem seu amiguinho aqui morto, acho bom todos jogarem suas armas
no chão. E você aí que está escondido atrás da blindagem, destrave a porta
giratória para o meu amigo e desça aqui.
Os seguranças se
entreolharam, e o chefe deles fez sinal para o segurança atrás da blindagem seguir
as orientações de Michael.
Enquanto o segurança
destravava a porta, Michael se virou para o restante dos funcionários e para os
poucos clientes que se encontravam gritando:
— Agora todo mundo
pro chão!!!!
Franklin entrou na
agência e deu uma coronhada no segurança que havia feito os comentários
racistas há pouco:
— Onde é mesmo meu
lugar, seu F!#$% da P#*@?!?!
O homem ficou caído
no chão com sangue escorrendo de sua testa.
Eu também me joguei
no chão, mas Michael veio até mim e me puxou pelo colarinho.
— Pode se levantar
Nolan!!
Não era esse o
combinado. Eles não deveriam dizer meu nome e nem me envolver no assalto.
— Eu não entendi
senhor?
Todos já me olhavam
desconfiados. Michael não abrandou e disse:
— Esquece o combinado
Nolan. Precisamos que você nos ajude no assalto.
Eu estava desnorteado quando Franklin me entregou
uma automática e me disse:
— Hey Nolan, me
desculpe por isso. Foi ideia do Michael.
Percebendo minha
hesitação, tentou me consolar:
— Você é dos nossos
Nolan. Você pode fingir que é um cidadão de bem, mas você não é. O que você fez aquele dia no carro com o
Michael e com o Trevor não é normal. Você tem talento.
Olhei para a
automática na minha mão. Eu tremia ao perceber que agora todo mundo sabia que
eu fazia parte do assalto. Não havia mais volta. Tudo fora perfeitamente
planejado por Michael, até mesmo não me deixar de fora caso algo saísse errado.
Agora eu estava intimamente envolvido, e tinha que me esforçar para nada dar
errado.
Olhei para Michael
com ódio transparente. Ele apenas sorriu.
Então apontei a
automática para ele fazendo seu sorriso desaparecer.
Então fui eu quem
sorriu ao mudar a mira para um dos seguranças.
Ele entendeu meu
recado: “ Nada daria errado”.
— Atenção bando de
inúteis, acho bom ninguém se mexer ou eu descarrego todo o pente desta
automática em uma só cabeça. Como você podem perceber, — olhei para Michael —
eu não tenho mais nada a perder.
Michael e Franklin
correram até o cofre com um dos gerentes enquanto eu tomava conta do restante
dos reféns.
Um dos seguranças
falou comigo:
— Quem diria que logo você hein Nolan?
Olhei
desafiadoramente para ele.
— Por que “Quem
diria”?
Ele riu e disse:
— Você sempre tão
certinho, com medo até de se atrasar. Nunca sequer discutiu com um cliente.
Você não tem perfil de quem mataria alguém.
Ao dizer isso, o
segurança ameaçou se levantar. Eu gritei:
— Continue no chão!
Ignorando minha ordem
ele se levantou.
— Você não vai atirar
Nolan, não é a sua.
— Já disse para não
se levantar!
Ele ficou de pé e
começou a caminhar na minha direção.
— Se eu continuar,
você vai fazer o quê Nolan?
Eu não queria! Eu
realmente não queria! Foi mais forte que eu. A adrenalina percorreu meu corpo
com um choque elétrico, e este choque contraiu meus músculos. Antes que eu
pensasse, o som do disparo da automática ecoava na agência e o corpo do
segurança tombava para o lado com seus miolos voando por trás de sua nuca.
Alguns gritos de
horror e choro se misturaram com o eco do disparo. Mesmo com toda confusão
dentro de mim, minha feição continuou dura.
Não sei explicar o
que eu senti, mas o prazer foi inebriante.
Talvez Franklin
tivesse razão.
Talvez eu fosse um
deles.
Foi ele mesmo que
veio correndo do cofre e parou do meu lado perguntando:
— Você tá bem?
Me virei para ele
para responder, mas ele pareceu se assustar com algo em meu rosto.
— Sim Franklin, estou
ótimo!
Ele olhou para o
corpo do segurança no chão e depois novamente para mim:
— Ok.
Voltou para o cofre
com uma expressão preocupada.
Já havia se passado
5 minutos quando os dois voltaram com algumas sacolas de dinheiro.
Michael calmamente
disse:
— Vamos, pois o Trevor
está chegando.
— E qual é a parte
dele no plano? — perguntei.
— A mais divertida. —
ele respondeu.
Ao sair da agência
ouvi o som alto de um motor logo acima de nossas cabeças. E para meu espanto,
um helicóptero de guerra, armado com metralhadoras de grosso calibre e lança
mísseis manobrava para aterrissar na avenida em frente a agência.
Não sei como, mas a
aeronave dava indícios que aterrissaria com sucesso entre prédios e postes de
iluminação.
Michael me puxou
pela camisa e disse:
— Olha o Trevor ali.
Vamos.
Eu entendia como
havíamos entrado, roubado e também a nossa fuga. Eu só não entendia uma coisa:
— Michael, — precisei
gritar, pois o som do motor do helicóptero era ensurdecedor — e as câmeras de
segurança? Não vão reconhecer seu rosto, ou do Franklin?
Ele me olhou
sorrindo e respondeu:
— Meu amigo Lester já
está apagando as imagens que foram enviadas para o servidor central.
Mesmo assim, ainda
havia falhas.
— Mas Michael, e os
servidores locais? Eles também gravam as imagens.
—Não se preocupe
Nolan. — ele respondeu ainda me puxando.
Mas eu não estava
satisfeito. Havia muitas falhas naquele plano.
— E as testemunhas?
Eles também podem te reconhecer?
Seu sorriso
tornou-se ainda mais maldoso:
— Para isso o Trevor
está aqui.
Foi então que
entendi o porquê do helicóptero de guerra.
Entendi também
porquê Michael deu um jeito de me tirar da agência.
Por alguns segundos
tive pena das pessoas lá dentro.
Só por alguns
segundos.
A aeronave já estava
imponente sem nenhum arranhão a nossa frente.
Subimos no helicóptero
e Trevor falou alegremente:
— Pelo jeito deu tudo
certo, hein Mike?
— Sim, tudo certo.
— E aí Nolan, se
divertindo? — Trevor perguntou.
Respondi:
— Como nunca antes.
Trevor subiu um
pouco a aeronave e com um sorriso satisfeito falou:
— Agora deixa eu
fazer a minha parte!
Apertou um gatilho
nos controles do helicóptero e então houve caos na terra!
Duas metralhadoras
de calibre pesado presas no assoalho do helicóptero despedaçaram a agência. Não
havia como saber quem estava sendo alvejado, só tive a certeza que poucos ainda
estavam vivos.
Trevor não tirou o
dedo do gatilho até que as balas se acabaram.
Eu acreditava que já
havia acabado, mas Trevor me olhou e deu uma piscadela:
— Agora, o meu grande
momento!
Acionou dois
dispositivos no painel e então pressionou outro gatilho nos comandos.
Não sei se foi medo
ou excitação o que me tomou naquele momento, mas a cena a minha frente me levou
a um mundo que com certeza não era o real.
Mísseis em plena
cidade.
Um após um, com um
pequeno rastro de fumaça até a atingir a agência. Não sei foram seis ou cinco,
ou até mesmo oito. A única coisa que eu tive certeza era de que as seguidas explosões
eliminaram todo e qualquer vestígio de vida que houvesse lá dentro.
E claro, os
servidores locais também.
A agência que
trabalhei por tantos anos.
Os amigos que
convivi por tanto tempo.
Tudo agora era
apenas uma bola de fogo e fumaça.
Se bem que, eu nunca
fui feliz naquela droga de agência, e também nunca tive amigos ali dentro.
Ou seja, nada que
realmente importasse para mim havia sido destruído.
Franklin tinha toda
a razão.
Eu era um deles.
Trevor interrompeu
meu momento de descoberta:
— Acho que o exército
sentiu a falta do helicóptero deles.
Dois helicópteros
despontavam no horizonte.
Trevor manobrou rápido e começou a fuga.
Me lembrei do dia em
que vi aqueles três pela primeira vez.
Só esperava estar
dentro de helicóptero que continuaria voando, e não dentro do que iria cair.
(Continua...)
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