sábado, 1 de março de 2014

Contos dos Games #13: GTA: Grandes Trapalhadas Anormais - Parte I

    Meu nome é Nolan P. Character. Nasci em Vice City, tenho 42 anos, e vivo em Los Santos há pelo menos trinta.
   E pensando bem, não sei qual das duas cidades é melhor ou pior.
   Enfim estou saindo do hospital. Um mês aqui internado depois que um maluco me atropelou com um jet-ski na areia da praia de Paleto Bay. Um braço e uma perna quebrados, sem contar a semana que passei em coma.
   Neste tempo que estive internado, eu li noticias bem perturbadoras. Claro que sempre houve crime em Los Santos, mas ultimamente coisas bem malucas estão acontecendo. De acordo com as noticias, algumas grandes empresas foram assaltadas de formas bem violentas.
    Sem contar os assaltos a joalherias. Muitas prostitutas vêm sendo assassinadas também.
Helicópteros caindo aqui e ali, um avião de grande porte que caiu no deserto próximo a área urbana de Los Santos. O piloto já estava morto antes do avião cair, e alguns ocupantes da aeronave foram encontrados mortos no deserto. Isso sem contar as inúmeras perseguiçõespelas ruas da cidade, intervenções feitas pelo FIB e pelo Exército. O número de mortos envolvendo policiais, agentes federais, militares e civis deu um salto nos últimos dias. E a imprensa se delicia com o caos urbano.
   A propósito, eu adoro qualquer tipo de veículo de noticias.
   E é para essa loucura de cidade que estou voltando. Pelo menos no hospital, nada de anormal aconteceu.
   Como meu carro está na garagem da minha casa, vou ter que pegar um taxi. Dou sinal e o taxista encosta. Provavelmente algum imigrante da Europa oriental ou um indiano. Ao olhar para o rosto dele tenho certeza de que é um europeu. Pelo jeito não fala bem meu idioma, pois fica apenas esperando que eu diga para onde ir.
 — Centro, por favor.
    Ele apenas acena com a cabeça, engata a primeira e sai.
    No rádio do carro toca uma musica estranha, e a cantora canta numa língua que parece uma mistura de russo com francês. Não tenho a mínima ideia de onde é. Preferia que estivesse no noticiário.
   Paramos num semáforo de um grande cruzamento próximo ao centro de Los Santos. Estou distraído vendo uma loira caminhando pela calçada quando uma caminhonete semi-enfurrajada colide com o carro que estava parado ao nosso lado.
   O motorista do carro desce xingando e gesticulando, e parte para cima do motorista da caminhonete. Da caminhonete desce um homem com cara de psicótico, roupas sujas e surradas, e entradas revelando uma calvície já avançada. Aparentemente um caipira do deserto.
   O motorista do carro era obviamente um executivo, assim como eu, mas que em um rompante de fúria ignorou que o seguro cobriria os danos e partiu para a briga. O caipira não corre, mas também não esboça defesa. O executivo acerta um soco no rosto do caipira, que cambaleou, mas não caiu. Os motoristas dos outros carros observam, hipnotizados. É quando o caipira saca um Lança-Granadas não sei de onde e aponta para o executivo.
   Isso mesmo! Eu disse um Lança-Granadas!
   Todos os carros que estavam parados no semáforo disparam sem se importar se há ou não carros a sua frente. Isso incluindo o motorista do meu taxi, que começou a falar desesperado na mesma língua da cantora do rádio. Eu, impotente, torço para não ir parar no hospital novamente.
   Meu taxista era dos bons, pois conseguiu desviar de um esportivo que estava a nossa frente sem sequer encostar. A mesma sorte não teve a loira que eu estava observando na calçada, que acabou atropelada pelo taxi. Sem dar importância para a mulher que rolou pelo capô, o europeu oriental acelerou com vontade, deixando para trás a confusão e possivelmente uma vitima fatal.
   Quando atravessamos o cruzamento, uma explosão jogou o carro do executivo, o executivo e a caminhonete do caipira pelos ares. O caipira havia pirado, pois mais dois carros explodiram com rodas, fogo e lataria para todos os lados. Pessoas também voavam pelos ares, como se fossem bonecos. Os carros que não foram explodidos pelo caipira e seu Lança-Granadas fugiam desesperados, atropelando qualquer coisa que estivesse pela frente: Postes, placas, outros carros e pessoas.
   Meu taxista, a exemplo dos demais, disparou atropelando mais dois pedestres que corriam pelas ruas. Pelo vidro traseiro consegui ver o momento em que o caipira psicótico roubou uma motocicleta e partiu em disparada, virando a direita no cruzamento.
   Como que por um milagre, o taxista se acalmou alguns minutos depois e voltou a dirigir normalmente, não sem antes atropelas mais um pedestre e derrubar pelo menos três postes.
    Eu ainda estava desesperado, mas consegui pensar no prejuízo que o homem teria. Achei até que ele não iria me deixar em casa, mas como um bom profissional, não esqueceu meu endereço. Paguei o homem com uma nota de 50, e disse para ficar com o troco. Ele agradeceu num inglês enrolado e partiu.
   Ainda trêmulo, vi que os jornais e noticiários não estavam exagerando. Los Santos estava perdida. Mas mesmo assim, ainda era melhor aqui do que em Liberty City. Li coisas horríveis da cidade há alguns anos atrás.
   Enquanto caminho pelo jardim na entrada da minha casa, vejo de soslaio dois negros caminhando calmamente na calçada, daqueles que vivem no gueto mesmo. Junto deles um cão, não se rottweiler ou pitbull. Mas com certeza é de uma raça daquelas que matam pessoas.
   Para esses dois estarem aqui no Centro, devem estar mal intencionados. Provavelmente querem é assaltar alguém.
   Apresso o passo para entrar logo em casa, enquanto ouço a conversa dos dois:
 — ... Qual é Lamar, cê tá me tirando? Já disse que essas fitas que tô fazendo com o Michael e o Trevor são coisa grande, mano.
 — Ah Franklin, cê tá esquecendo dos “mano” da quebrada. A treta tá feia entre as gangues da área, tô te falando irmão. Hey Chopp, volta aqui, e vê se para de fazer côco na calçada dos “granfino” aqui do centro. — o tal do Lamar fez uma pausa estranha, e deu um risinho — Falando em “granfino”, olha lá Franklin, um branquelo correndo para dentro de casa.
   Eles me viram! Eles me viram! Tenho que entrar logo em casa! Droga!
 — Deixa o cara em paz, Lamar. A gente tá aqui no centro só para fazer aquela fita. Não encrenca com o cara se não vai atrair os “gambé”.
   Ouça o Franklin, Lamar! Ouça o Franklin! Faz essa tal de “fita”, e me esquece! Preciso chegar logo na porta de casa.
 — Qualé cara! O cara vê dois “negão” na rua e sai correndo? Isso é preconceito mano! Moramos num país livre, Franklin!! Eu vou invadir a casa desse engravatado, vou estuprar a mulher dele, vou mijar na cara dele e depois ainda vou... vou... vou cagar na cara dele.
   Para minha sorte, é claro que a chave tinha que cair no chão. Droga!
 — Cala a boca Lamar, você não caga nem na cara dos “nóinhas” lá do bairro! Para de botar pânico no branquelo, mano!
 — Até parece que é só ver dois negros na rua, que eles vão querer te assaltar! Tá tirando é branquelo?
   Acabei de sair do hospital e vou morrer! Que legal! E agora parece que o Lamar tá caminhando na minha direção!!! Droga, droga, droga!
 — Sem querer ser chato, Lamar, mas nós viemos aqui exatamente para assaltar alguém, lembra? Só que não é esse cara aí. “Vamo” embora mano.
 — Tá bom Franklin, mas antes... Pega ele Chopp!!!
   Pela primeira vez olhei para traz. O tal do Lamar devia ser o mais alto, pois estava rindo de forma sádica. E o Franklin, acredito eu, era o que balançava a cabeça em desaprovação. Agora o Chopp com certeza era a criatura correndo com olhar sanguinário para cima de mim. Droga!
   Mas pouco antes do cachorro abocanhar um naco de carne da minha panturrilha, consegui girar a chave na fechadura. Abri a porta tão rápido que quando dei por mim, já estava dentro de casa com o cachorro batendo as patas dianteiras na porta e latindo assustadoramente.
 — Tá bom Chopp. Deixa o branquelo se cagar sozinho. — disse o tal de Lamar com a voz ficando mais distante.
    Demorei uns dez minutos para conseguir voltar a respirar normal. Nem bem saí do hospital, e já quase morri duas vezes! Preciso dormir. Pelo menos aqui dentro estou seguro.
   Sento no sofá para tentar respirar.
    Estou bem cansado, já que não há como descansar numa cama de hospital. Mas antes de dormir, vou dar uma conferida no telejornal. Não sei se já disse a vocês, mas eu adoro todo tipo de jornal.
   Alcanço o controle remoto da TV que está na mesinha de centro e ligo a TV. E pelo jeito, mais uma perseguição ao vivo está sendo transmitida. 
   Dessa vez, é uma perseguição aérea. Dois helicópteros da policia estão perseguindo um terceiro helicóptero. O terceiro helicóptero, onde estão os, acredito eu, bandidos, está disparando contra um dos helicópteros da policia com uma metralhadora fixa bem potente, provavelmente uma .50, daquelas antiaéreas mesmo.
   Claro que em toda essa confusão há um quarto helicóptero, o do telejornal. O piloto mantêm uma distância segura. Mesmo assim, o cameraman se mostra bem habilidoso, pois as imagens mostram bem toda a perseguição, com poucas oscilações.
   Fico hipnotizado pela tela da TV. Não sei mais se estou em um filme de ação ou em uma cidade comum americana. Fico grato por isso estar ocorrendo no céu, bem longe da minha casa.
   O cameraman dá um zoom no homem que opera a metralhadora. Aparentemente tem entre uns 45 e 50 anos. Se passaria fácil por um pacato cidadão de meia idade, não fosse a metralhadora .50. O foco da imagem alterna para o piloto, mas trepida um pouco. Quando enfim o câmera consegue um bom enquadramento, meu sangue gela!
   Pilotando o helicóptero dos bandidos está o caipira psicótico que causou o caos no cruzamento. Perco a habilidade de piscar por algum tempo.
   O cameraman agora tenta enquadrar os helicópteros da polícia, mas a imagem vai de um lado ao outro varrendo o horizonte sem encontrar nenhuma das aeronaves. A imagem desce um pouco com o zoom se afastando, e assustadoramente mostra os dois helicópteros da polícia caindo e rodando sem controle, deixando cada um uma espiral de fumaça negra. De forma abrupta, o câmera agora tenta visualizar o homem com a metralhadora, aumentando o zoom assim que centraliza o helicóptero dos bandidos. Na tela da TV agora está enquadrado o homem que opera a metralhadora, e para o desespero de toda a tripulação do helicóptero da reportagem, a .50 está apontando diretamente para eles.
   O homem no foco sorri. Ouve-se então o grito do cameraman.
 — Saí daqui!!!!
   A imagem mostra claramente os cartuchos dos projeteis deflagrados voando da metralhadora enquanto o homem dispara sem parar na direção deles. Ainda focando no rosto do homem de meia idade, a lente da câmera trinca. Fica claro que a aeronave está sendo alvejada. A trepidação das imagens aumenta, e a câmera gira sem controle até parar num enquadramento perfeito do piloto do helicóptero da reportagem. É nítido o esforço do piloto em manter a aeronave estável. Pelo para-brisa do helicóptero, o céu está girando.
   Muitos gritos indistinguíveis misturados com os sons dos tiros. Vê-se então o para-brisa estilhaçar e numa fração de segundos a imagem é tingida de vermelho. A cabeça do piloto pende para a direita, sem vida.
   O espetáculo é surreal, mas eu não consigo tirar os olhos da tela da TV. O incômodo nos olhos me obriga a piscar.
   Agora na tela da TV a imagem está alternando entre o céu e a cidade de Los Santos. O céu se afastando, enquanto a cidade está cada vez mais próxima.
   Ainda com os olhos vidrados na TV, permaneci em transe mesmo ao ouvir uma grande explosão ao longe. Quando a segunda grande explosão chega aos meus ouvidos consigo voltar a pensar.
   Olho para minha mão direita tremendo, levanto um dedo, em seguida um segundo dedo, mas antes que levantasse o dedo anelar para contar o terceiro helicóptero, uma explosão gigantesca e ensurdecedora me faz ter a certeza de que estou morrendo e que minha casa está desmoronando. Quadros vão ao chão, minha estante de livros desaba, e as paredes da minha sala racham.
   Tremendo, levanto o dedo anelar, contando enfim o terceiro helicóptero. 
   A TV magicamente permaneceu ligada. A imagem está estática, e logo em seguida é substituída por uma mensagem da emissora de que estão com problemas técnicos.
   Levanto do sofá, ainda tremendo, e caminho até porta. Quando a abro, na rua as pessoas correm desesperadas.
   Caminho até o meio do jardim, e a esquerda, há mais ou menos uns trezentos metros de onde estou, um fumaça preta sobe ao céu, e há duzentos, outro foco de fumaça. Começo a virar lentamente a cabeça para a direita, pois sinto o calor vindo deste lado.
   Minhas dúvidas enfim tem um fim: Com certeza eu estou em um filme de ação.
   Afundado em meio às chamas, duas casas a direita da minha, vejo a cauda do terceiro helicóptero, o da reportagem, com a pequena hélice da cauda ainda girando.
   Dou um suspiro longo, mesmo com o cheiro forte da gasolina do helicóptero me deixando um pouco zonzo, e caminho de volta para a minha casa, ouvindo o som das sirenes dos bombeiros se aproximando.
   Atravesso o batente, dou uma ultima olhada para o caos que se formou em minha rua e fecho a porta.
   Quando caminho em minha sala, piso sem querer em um dos quadros que caiu no chão, me abaixo e olho para a pintura nele: Um revólver com uma rosa vermelho sangue saindo do cano. O penduro novamente em seu lugar
   Me sento novamente em meu sofá, pego o controle remoto e desta vez coloco no canal de gastronomia.
   Por hoje, chega de telejornais.

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